Existe uma excelente razão para que os ex-alcoólatras façam questão absoluta de cortar de vez o álcool de suas vidas. Alguma coisa em sua constituição impede que tenham controle, e uma simples “bicada” pode desencadear uma recaída que destrói anos e anos de abstinência. O primeiro gole do alcoólatra recuperado é uma lembrança de que ele ainda é alcoólatra, e de que nunca deixará de ser.

Senti este processo na pele ao ler Linked – The new Science of Networks, do físico romeno Albert-László Barabási. Minha formação em Engenharia da Computação — relegada a segundo plano depois de mais de uma década de dedicação exclusiva à carreira de marketing — repentinamente emergiu de seu estupor. Se eu não tomasse cuidado, estaria de novo trilhando os perigosos caminhos da técnica, e em pouco tempo terminaria catatônico como um coelho parado no meio da rodovia, encarando as intrigantes luzes dos faróis a se aproximarem inexoravelmente. Brrr... Dá calafrio só de pensar nas conseqüências.

Mas, experiências pessoais à parte, o livro é uma grata surpresa, pois desde o assunto tratado, passando pelos inúmeros e interessantes exemplos fornecidos, até a narrativa leve e didática do autor contribuem para que tenhamos dificuldade em abandoná-lo. E o tema da obra, por mais que pareça estranho, é de suma importância para nós, profissionais de marketing.

O assunto tratado são as redes. Que tipos de redes? A resposta é simples e surpreendente: todos os tipos. É interessante observar que desde as entidades mais óbvias (tais como a Internet e as malhas viárias) até as mais inusitadas (como as proteínas produzidas pelo DNA e os boards de empresas), inúmeros relacionamentos podem ser modelados em termos de redes, com as entidades em si sendo os “nós”, e o relacionamento que as une sendo as “ligações”. O livro não se atém às questões matemáticas ou computacionais inerentes às redes, e o autor faz questão de frisar que as ferramentas utilizadas sempre tiveram o objetivo principal de extrair conhecimento mais amplo acerca dos relacionamentos em si.

O livro começa recuperando o nascimento do estudo das redes, com Euler no século XVIII casualmente resolvendo um problema instigante da época: seria possível cruzar as sete pontes de Königsberg, a cidade onde ele morava na época, sem repetir nenhuma delas? Além de dar uma resposta definitiva à questão, de quebra o prolífico matemático deu início ao estudo dos grafos, entidades matemáticas que servem de modelo às redes de relacionamentos múltiplos. Algumas das descobertas e desdobramentos deste estudo são apresentadas, e nomes estranhos à área de marketing, mas seminais nos estudos da matemática e da física são introduzidos, à medida que os modelos vão evoluindo. Não há necessidade de conhecimento prévio sobre o assunto, e os exemplos dados são sempre de domínio geral.

Barabási passa, então, a descrever sua busca por respostas a questões importantes do contexto atual, tais como:

• Por que o Hotmail, alternativa gratuita de correio eletrônico introduzida no mercado na segunda metade da década de 90 por dois indianos despretensiosos, terminou sendo vendido para a Microsoft pela bagatela de quatrocentos milhões de dólares?

• O sucesso da disseminação do Hotmail — claramente resultante das particularidades inerentes à rede que emerge do próprio processo de cadastramento no site e envio de mensagens — pode ser duplicado em outros casos? Se sim, como?

• Por que na hora de procurar um emprego nossos relacionamentos “fracos” têm maior chance de nos proporcionar oportunidades melhores que nossos amigos mais íntimos?

• Por que a Lei de Pareto, também conhecida como Lei 80/20 (80% dos resultados são obtidos com 20% dos recursos, por exemplo: 80% das decisões são tomadas em 20% do tempo total de uma reunião, 80% do faturamento pode ser atribuído a 20% dos funcionários, e assim por diante) faz tanto sentido e é aplicável a tantas situações diferentes no mundo à nossa volta?

• Por que a Internet, um conjunto de redes cujo objetivo é criar um sistema robusto, isto é, que mantenha sua conectividade e seu funcionamento mesmo quando alguns ou mesmo muitos componentes individuais falham aleatoriamente, é ao mesmo tempo tão vulnerável, isto é, suscetível a rupturas significativas, quando submetida a ataques organizados?

• Por que sites populares da Web tendem a aumentar sua popularidade mais e mais, enquanto sites obscuros naturalmente tendem a continuar obscuros? Mais importante: como aqueles poucos sites obscuros que vieram a se tornar populares conseguiram esta façanha?

• Por que o efeito “bola de neve” ocorre em várias situações, tais como o pequeno problema financeiro com uma obscura empresa na Tailândia que gerou a crise asiática de 1997, enquanto em outras não? Mais importante: por que algumas idéias e produtos se alastram com velocidade avassaladora, enquanto outras morrem à mingua?

Barabási cita exemplos de Paulo de Tarso, Albert Einstein, Max Planck, Osama Bin Laden, George Soros, e até um autor sobre o qual já falamos em nossas resenhas: Malcolm Gladwell, que recentemente produziu excelentes livros, tais como The Tipping Point e Blink. Os exemplos para cada tipo de comportamento das redes estudadas são bastante ilustrativos, e a didática de Barabási auxilia muito o entendimento de fenômenos que de outra forma escapariam à nossa compreensão.

O livro nos proporciona uma compreensão mais ampla acerca do enorme papel que as redes desempenham em nossas vidas. Novos horizontes de possibilidades se abrem para nós após a leitura, e ficamos mais cientes de que sutis ligações que os mais diversos elementos de nosso dia-a-dia carregam, e que — se exploradas adequadamente — podem nos fornecer insumos imensamente úteis à realização de nossos objetivos.

Como o autor expressa no texto, temos adotado um enfoque reducionista por tempo demais. Por séculos e séculos temos nos especializado em dividir o universo à nossa volta em pedaços cada vez menores, aprendendo tudo o que é possível acerca destes pedaços. O resultado é que terminamos com um quebra-cabeça que não conseguimos montar novamente. Conhecemos os pedaços, mas por termos negligenciado suas relações, hoje temos uma figura incompleta e insatisfatória do mundo que nos cerca. O estudo das redes busca juntar esses pedaços, e o progresso recentemente realizado nessa jovem ciência de trezentos anos começa a nos fornecer mapas seguros para o futuro. Esses mapas já nos indicam hoje o caminho para montarmos os gigantescos quebra-cabeças que nos cercam, e no futuro tendem a melhorar ainda mais nossa compreensão do ambiente que nos cerca, seja em âmbito biológico, sociológico, econômico, profissional, ou qualquer outro em que se possam encontrar relacionamentos.

Bom, acho melhor ir parando por aqui, pois já está me dando uma vontade doida de debugar um sistema operacional. Até a próxima.

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ABOUT THE AUTHOR

Ruy Flávio de Oliveira (ruy@marketingprofs.com) é Diretor de Redação do MarketingProfs Hoje.